sábado, 14 de fevereiro de 2015

Fernando Pessoa - Carta a Ofélia

Meu Bebé pequeno e rabino:

Cá estou em casa, sozinho, salvo o intelectual que está pondo o papel nas paredes (pudera! havia de ser no tecto ou no chão!); e esse não conta. E, conforme prometi, vou escrever ao meu Bebezinho para lhe dizer, pelo menos, que ela é muito má, excepto numa coisa, que é na arte de fingir, em que vejo que é mestra.
Sabes? Estou-te escrevendo mas não estou pensando em ti. Estou pensando nas saudades que tenho do meu tempo da caça aos pombos; e isto é uma coisa, como tu sabes, com que tu não tens nada…
Foi agradável hoje o nosso passeio — não foi? Tu estavas bem-disposta, e eu estava bem-disposto, e o dia estava bem disposto também (O meu amigo, não. A. A. Crosse: está de saúde — uma libra de saúde por enquanto, o bastante para não estar constipado).
Não te admires de a minha letra ser um pouco esquisita. Há para isso duas razões. A primeira é a de este papel (o único acessível agora) ser muito corredio, e a pena passar por ele muito depressa; a segunda é a de eu ter descoberto aqui em casa um vinho do Porto esplêndido, de que abri uma garrafa, de que já bebi metade. A terceira razão é haver só duas razões, e portanto não haver terceira razão nenhuma. (Álvaro de Campos, engenheiro).
Quando nos poderemos nós encontrar a sós em qualquer parte, meu amor? Sinto a boca estranha, sabes, por não ter beijinhos há tanto tempo… Meu Bebé para sentar ao colo! Meu Bebé para dar dentadas! Meu Bebé para… (e depois o Bebé é mau e bate-me…) «Corpinho de tentação» te chamei eu; e assim continuarás sendo, mas longe de mim.
Bebé, vem cá; vem para o pé do Nininho; vem para os braços do Nininho; põe a tua boquinha contra a boca do Nininho… Vem… Estou tão só, tão só de beijinhos…
Quem me dera ter a certeza de tu teres saudades de mim a valer. Ao menos isso era uma consolação… Mas tu, se calhar, pensas menos em mim que no rapaz do gargarejo, e no D. A. F. e no guarda-livros da C. D. & C.! Má, má, má, má, má…!!!!!
Açoites é que tu precisas.
Adeus; vou-me deitar dentro de um balde de cabeça para baixo para descansar o espírito. Assim fazem todos os grandes homens — pelo menos quando têm — 1º espírito, 2º cabeça, 3º balde onde meter a cabeça.
Um beijo só durando todo o tempo que ainda o mundo tem que durar, do teu, sempre e muito teu

Fernando (Nininho)

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Poema do mês de fevereiro: "O Amor"


O AMOR, quando se revela,

 Não se sabe revelar.

 Sabe bem olhar p'ra ela,

 Mas não lhe sabe falar.

 

 Quem quer dizer o que sente

 Não sabe o que há de dizer.

 Fala: parece que mente...

 Cala: parece esquecer...

 

 Ah, mas se ela adivinhasse,

 Se pudesse ouvir o olhar,

 E se um olhar lhe bastasse

 P'ra saber que a estão a amar!

 

 Mas quem sente muito, cala;

 Quem quer dizer quanto sente

 Fica sem alma nem fala,

 Fica só, inteiramente!

 

 Mas se isto puder contar-lhe

 O que não lhe ouso contar,

 Já não terei que falar-lhe

 Porque lhe estou a falar...

 

Fernando Pessoa

Livro do mês de fevereiro: “Todas as palavras de amor”


Numa viagem em busca de si mesma, Alice escreve a primeira de muitas cartas a um grande amor. Não imagina que, na morada para onde envia as cartas, vive António, um homem que nunca viu. O homem recebe a primeira carta e as palavras daquela mulher que também não conhece, confrontam-no com aquilo de que sempre fugira.

Alice é uma mulher divorciada à procura do seu próprio rumo. António é um padre que nunca ousou trilhar o caminho do amor. Todas as Palavras de Amor é um romance que começa com a surpresa de um engano. Depois, em páginas de uma escrita fulgurante, aprendemos que um engano talvez seja a melhor forma de modificar duas vidas para sempre.
 
 
 
 
Ana Casaca tem 39 anos e é natural de Lisboa. Licenciou-se em Direito, mas sempre soube que era
na escrita que residia a sua verdadeira vocação. Troca as leis pelas letras e, em 2002, inicia-se no guionismo pela mão de Manuel Arouca, que a convida a integrar a equipa de escrita da telenovela Filha do Mar (TVI, 2002).

 Participou na escrita de Baía das Mulheres (TVI, 2005), Tu e Eu (TVI, 2007), Podia Acabar o Mundo (SIC, 2008), Rosa Fogo (SIC, 2011) e Bem-vindos a Beirais (RTP, 2013-2014). Adaptou, com Tomás Múrias, o guião para a série O Regresso a Sizalinda (RTP, 2006). Integra a equipa de argumentistas da sequela de Jardins Proibidos (TVI, 2014).
 É autora dos romances A Vontade de Regresso (2002), Todas as Palavras de Amor (2013) e Viagem ao fim do coração (2014).
 
 

Filme do mês de fevereiro: "O ABC do amor"


Woody Allen apresenta inúmeras histórias hilariantes que exploram os assuntos mais melindrosos da sexualidade: afrodisíacos fazem efeito num bobo da corte que encontra a chave para o coração da Rainha - mas descobre que a chave para o cinto de castidade seria mais útil; um bom médico torna-se loucamente atraído por uma ovelha tresmalhada; Jack Barry faz 20 perguntas fetiche num louco programa de TV chamado «Qual é a Minha Perversão?»; a investigação sexual é vista à lupa quando um desvairado cientista liberta uma monstruosa, incontrolável besta; e o absurdo chega a um eléctrico climax com Tony Randall…