sábado, 27 de novembro de 2010

Poemas de Fernando Pessoa

Às vezes, em sonho triste
Nos meus desejos existe
Longinquamente um país
Onde ser feliz consiste
Apenas em ser feliz.

Vive-se como se nasce
Sem o querer nem saber.
Nessa ilusão de viver
O tempo morre e renasce
Sem que o sintamos correr.

O sentir e o desejar
São banidos dessa terra.
O amor não é amor
Nesse país por onde erra
Meu longínquo divagar.

Nem se sonha nem se vive:
É uma infância sem fim.
Parece que se revive
Tão suave é viver assim
Nesse impossível jardim.



















Tédio

Não vivo, mal vegeto, duro apenas,
Vazio dos sentidos porque existo;
Não tenho infelizmente sequer penas
E o mau mal é ser (alheio Cristo)
Nestas horas doridas e serenas
Completamente consciente disto.

Deus

Às vezes sou o Deus que trago em mim
E então eu sou o Deus e o crente e a prece
E a imagem de marfim
Em que esse deus se esquece.

Às vezes não sou mais do que um ateu
Desse deus meu que eu sou quando me exalto.
Olho em mim todo um céu
E é um mero oco céu alto.















Porque vivo, quem sou, o que sou, quem me leva?
Que serei para a morte? Para a vida o que sou?
A morte no mundo é a treva na terra.
Nada posso. Choro, gemo, cerro os olhos e vou.
Cerca-me o mistério, a ilusão e a descrença
Da possibilidade de ser tudo real.
Ó meu pavor de ser, nada há que te vença!
A vida como a morte é o mesmo Mal!

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