Maio de Minha Mãe
O
primeiro de Maio de minha Mãe
Não era social, mas de favas e giestas.
Uma cadeira de pau, flor dos dedos do Avô
—
Polimento, esquadria, engrade, olhá-la ao longe —
Dava
assento a Florália, o meu primeiro amor.
Já não se usa poesia descritiva,
Mas como hei de falar da Maromba de Maio
Ou, se era macho, do litro de vinho na sua
mão?
O primeiro de Maio nas Ilhas, morno como uma
rosa,
Algodoado de cúmulos, lento no mar e
rapioqueiro
Como Baco em Camões,
Límpido de azeviche
E, afinal de contas, do ponto de vista
proletário,
Mais de mãos na algibeira do que Lenine em
Zurich.
(Porque foi por esta época: eu é que não
sabia!)
A minha Maromba tinha barriga de palha como as
massas
E a foice roçadoira da erva das cabras do
Ribeiro
Que se pegou, esquecida, no banco do martelo
de meu Avô
Cujas quedas iguais, gravíticas, profundas
Muito prego em cunhal deixaram,
Muita madeira emalhetaram,
Muita estrela atraíram ao bico da foice do
Ribeiro
Nas noites de luar em que roçava erva às
cabras.
Favas de Maio do meu tempo!
Havia poder popular
Nas mãos de minha mãe, que as descascava como
flores
E flores eram de si, na flórea abada
Como se já guardassem flor de laranjeira e
açaflor
Nas suas intenções de Maio 1918, para as depor
(Nem pensada sequer) na fronte à minha amada.
Vitorino Nemésio, in 'Antologia Poética'
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