Não falta ninguém no jardim. Não há ninguém:
somente o inverno
verde e negro, o dia
desvelado como uma
aparição,
fantasma branco, de
fria vestimenta,
pelas escadas dum
castelo. É hora
de não chegar
ninguém, apenas caem
as gotas que vão
espalhando o rocio
nestes ramos
desnudos pelo inverno
e eu e tu nesta zona
solitária,
invencíveis,
sozinhos, esperando
que ninguém chegue,
não, que ninguém venha
com sorriso ou
medalha ou predisposto
a propor-nos nada.
Esta é a hora
das folhas caídas,
trituradas
sobre a terra,
quando
de ser e de não ser
voltam ao fundo
despojando-se de
ouro e de verdura
até que são raízes
outra vez
e outra vez mais,
destruindo-se e nascendo,
sobem para saber a
primavera.
Ó coração perdido
em mim, em minha
própria investidura,
generosa transição
te povoa!
Eu não sou o
culpado
de ter fugido ou de
ter acudido:
não me pôde gastar
a desventura!
A própria sorte
pode ser amarga
à força de beijá-la
cada dia
e não tem caminho
para livrar-se
do sol senão a
morte.
Que posso fazer se
me escolheu a estrela
para ser um
relâmpago, e se o espinho
me conduziu à dor
de alguns que são muitos?
O que fazer se cada
movimento
de minha mão me
aproximou da rosa?
Devo pedir perdão
por este inverno,
o mais distante, o
mais inalcançável
para aquele homem
que buscava o frio
sem que ninguém
sofresse por sua sorte?
E se entre estes
caminhos
– França distante,
números de névoa –
volto ao recinto da
minha própria vida
– um jardim só, uma
comuna pobre –
e de repente um dia
igual a todos
descendo as escadas
que não existem
vestido de pureza
irresistível,
e existe o olor de
solidão aguda,
de umidade, de
água, de nascer de novo:
que faço se respiro
sem ninguém,
por que devo
sentir-me malferido?
Pablo Neruda
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