segunda-feira, 1 de abril de 2019

Poema do mês de abril: Pedra Filosofal


Eles não sabem que o sonho

é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam
como estas árvores que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que sonho
é vinho, é espuma, é fermento
bichinho alacre e sedento
de focinho pontiagudo
que fuça através de tudo 
em perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela é cor é pincel
base, fuste, capitel
que é retorta de alquimista
mapa do mundo distante
Rosa dos Ventos Infante
caravela quinhentista
que é cabo da Boa-Esperança
Ouro, canela, marfim
florete de espadachim
bastidor, passo de dança
Columbina e Arlequim
passarola voadora
para-raios, locomotiva
barco de proa festiva
alto-forno, geradora
cisão do átomo, radar
ultrassom, televisão
desembarque em foguetão
na superfície lunar
Eles não sabem nem sonham
que o sonho comanda a vida
que sempre que o homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos duma criança.

António Gedeão

Livro do mês de abril: "A arte da alegria", de Goliarda Sapienza


Era uma vez uma menina, Modesta, nascida no dia 1 de Janeiro de 1900, num mundo frustrado e rapidamente desaparecido… Não. A Arte da Alegria resiste a qualquer apresentação. Romance de aprendizagem, ele desdobra-se numa multiplicidade de caminhos. Romance dos sentidos e da sensualidade, ele ressuscita os fervores políticos que marcaram o século XX. Situado numa Sicília por vezes sombria, outras solar, prolonga-se pelo horizonte dos mares e das grandes cidades europeias…
Um romance sensual, erótico e inteligente que percorre a história dos primeiros cinquenta anos dos século XX europeu pelas mãos de Modesta, uma heroína excecional que aprende a ascender das suas humildes origens sicilianas até à aristocracia e ao poder, valendo-se da sua astúcia e dos seus dotes de sedução, sem com isso renunciar ao seu irredutível anelo de liberdade e ao seu insaciável amor pela vida.
Goliarda Sapienza faz fluir, através de um elenco riquíssimo de personagens, todas as suas opiniões sobre os factos da vida. Há muito neste livro, muito mais do que a mera “Alegria” que lhe dá título. É sobretudo uma ode à liberdade, à liberdade de poder ser, de poder dizer. Tem passagens de uma qualidade litarária incontestável e chega-se ao final com a ideia de uma mensagem que a autora tenta, e neste caso consegue, passar. A narrativa nem sempre é uniforme, nem sempre é totalmente coerente, mas percebe-se que isso se deve ao facto de ter sido escrita em diferentes fases da vida da autora. É um livro primordial. Um Clássico. Boas Leituras!



Goliarda Sapienza nasceu na Catânia, em 1924, numa família socialista anarquista, daí o seu nome. Aos 16 anos ingressa na Academia de Arte Dramática de Roma e trabalha sob a direção de Luchino Visconti, Alessandro Blasetti e Francesco Maselli. No final dos anos 60, inicia um ciclo autobiográfico de cinco obras, mas a elaboração de A Arte da Alegria, a sua obra-prima, prolongar-se-ia por mais de 10 anos. Morre em 1996, apenas a uns meses da publicação do seu romance em Itália. É considerada por muitos uma grande figura da literatura italiana do século XX. Com a publicação deste romance, a Dom Quixote recupera uma verdadeira jóia literária, de uma autora que não pôde desfrutar em vida do merecido reconhecimento.